Depois das Cinco, de Bruno Haulfermet

|  Por Raphael Pellegrini  |

Tudo é questão de timing. Você se despede de sua esposa, abre a porta, coloca um pé do lado de fora e lembra que esqueceu de pegar a carteira. Aqueles míseros dez segundos de caminhada até a mesa, que fica bem próxima à porta, para pegar a carteira esquecida, pode, se for um dia um tanto azarado, fazer com que o elevador que estava descendo em vez de estar no décimo andar - distância ideal para você, que está no oitavo, apertar o botão e pegá-lo no caminho da portaria - acaba de ultrapassar o nono, quase chegando no oitavo. Esses dez segundos de atraso serão suficientes para você ver pela janelinha o elevador descendo, quase dando uma risada zombeteira. Bom, mas é só um elevador, take it easy. Mal sabe você que o sinal acabará de abrir quando você for atravessar a rua e que o alerta de portas se fechando do metrô tocará quando faltarem míseros três degraus de escada para você chegar na plataforma de embarque. Você poderá até se esforçar, mas é provável que terá de esperar o próximo carro.

Timing é um bagulho doido mesmo.

E timing na literatura é algo mais louco ainda.

Em 2013, quando estávamos com o canal do YouTube do Capitu a plenos pulmões, alguns amigos do coração estavam em polvorosa com um livro de Neil Gaiman. O texto em questão era O Oceano no Fim do Caminho. Confesso que amei ler a empolgação nos textos que todos compartilharam, as milhares de indicações e a euforia de cada um após a leitura. Para quem já olhou os textos anteriores do blog, deve ter percebido que eu fiz a mesmíssima coisa esse ano. Pois é, esse ano. Lá em 2013, não dei uma chance para Gaiman, e por mais que isso possa ter sido um erro terrível, um atraso inestimável, hoje posso dizer que foi o melhor a ser feito. Afinal, de que adiantaria pegar o elevador no tempo certo, encontrar todos os sinais abertos  e chegar no guichê do metrô sem a carteira?

Mais ou menos uma semana depois da euforia de Neil Gaiman, recebemos duas novas obras para revisar aqui na empresa. Bruno Haulfermet tinha fechado a revisão de seus dois livros Depois das Cinco e Os Descendentes e a Ferida da Terra, e por um acaso bem "acasoso" iniciamos o trabalho por Depois das Cinco. E é ai que o lance de timing literário aconteceu. Depois das Cinco é uma bela história de fantasia infanto-juvenil, que me lembrou automaticamente aquela sensação de conforto que O Oceano do Fim do Caminho me trouxe.

Algumas semelhanças que fui percebendo merecem comentários:

  1. A relação entre os personagens, que muitas vezes ressaltam sua pouca idade, mas em outros momentos dão aula de determinação e coragem para seguir em frente. 
  2. Cenário: cara, por mais que Província de Rosedário não se pareça com o clima do campo produzido por Gaiman, muitos dos espaços narrados na história de Bruno me trouxeram aquele clima intimista, confortável, como a cozinha da família Hempstock. Não parei de pensar na confeitaria que Ivo trabalhava como um local aconchegante, assim como aquela casa tão adorável das mulheres Hempstock.

Se por uma lado a narrativa me pegou por esse entrecruzamento com Gaiman, a virada na história a partir da metade foi fantástica. Sim, o prefácio - dica amiga, prestem atenção no prefácio - dá uma pista que tem coisa naquela cidade, com aquelas pessoas, mas é lá pela metade da história que o ritmo fica mais intenso, e a vontade de saber mais sobre todos aqueles fenômenos fantásticos te arrebata de vez. Fenômenos estranhos acontecem, mas aquilo se torna tão comum, que parece que ninguém mais percebe. Tipo uma névoa que cobre a visão dos trouxas, em Harry Potter. 

Depois das Cinco, assim como O Oceano no Fim do Caminho, bateu forte aqui, e tenho certeza que será eternamente um daqueles livros para se ler numa sentada só, num sábado a tarde - eu adoro tardes de sábado, se pudesse viveria eternamente em uma, com aquele clima um tanto cinza, mas sem chuva -, sem pressa e, principalmente, com o coração aberto para uma história de fantasia adolescente que quando terminei só me fez retomar um dos melhores momentos de leitura do ano. Sabe como é, livro bom puxa livro bom. Pelo menos para mim, eles vão se misturando como um novelo de lã, de uma forma tão gostosa, que você só tem vontade de se perder naquela montanha de fios.

Arte incrível de Depois das Cinco, cedida pelo autor.
P.S.: Já que falei de timing, quem viu minha última postagem deve ter percebido como Umberto Eco apareceu sem querer no texto. Pois que eu estava no sebo Beta de Aquarius, olhando algumas prateleiras que nunca presto muita atenção, quando vejo ele: Umberto Eco falando sobre seu processo de escrita como romancista. É muita sorte e muito acaso acasoso esse encontro. Logicamente que agarrei o livro com todas as forças e só soltei quando ele estava devidamente confortado na minha mesa de cabeceira, passando na frente de todas as outras leituras.

P.S.2: Notaram que eu não falei da história em si? É proposital por dois motivos: a sinopse já diz tudo, em primeiro lugar, e em segundo, é o tipo de livro que é bacana de ser lido em uma sentada, sem saber muito sobre a história antes. Foi isso que fizemos, e valeu muito a pena. 

P.S.3: O livro foi semifinalista do concurso "Sua História nos 10 Anos da Galera", da Galera Record , e vencedor do Prêmio Drummond Wattys, um prêmio de reconhecimento dos usuários do Wattpad "Pela Beleza e Arte de Contar Fantasia". Incrível, não?

Por Raphael Pellegrini

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